E
no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez
fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes
acontece em um baile de carnaval – uma pessoa se perde da outra, procura-a por
um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar
que a última vez que se encontraram se amaram muito – depois apenas aconteceu
que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu,
cada um para seu lado – sem glória nem humilhação.
Creio
que será permitido guardar uma leve tristeza e também uma lembrança boa; que
não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer
que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio e
de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.
E
que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam porque ficaram
em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas
que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja
morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?
Talvez
não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os
receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras – com flores e cantos. O
inverno – te lembras – nos maltratou; não havia flores, não havia mar e fomos
sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro
inábil.
Ah,
talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que
explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo
menos penoso; lembremos apenas as coisas duradouras e digamos apenas a pequena
palavra: adeus.
A
pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de
domingo.
(Rubem Braga)
(Extraído do livro “A
traição das Elegantes”, Editora Sabiá – Rio de Janeiro, 1967, pág. 83)